Mercado Adolpho Lisboa, à noite. |
domingo, 17 de março de 2024
quinta-feira, 14 de março de 2024
A poesia é necessária?
O
mundo necessita de poesia
Gilka
Machado
(1893-1980)
O mundo
necessita de poesia,
cantemos,
poetas, para a humanidade;
que nossa
voz suba aos arranha-céus
e desça aos
subterrâneos,
acompanhando
ricos e pobres
nos
atropelos
das carreiras
de ambição
e na luta
pelo pão.
Lavemo-nos
das máscaras histriônicas;
tenhamos a
coragem
de propalar
a existência eterna
do
sentimento;
ponhamos
termo
a esses
malabarismos
de palhaços
falsos
da
modernidade,
permanecendo
diferentes,
diante da
multidão
insensibilizada,
enferma.
A
humanidade quer rir de tudo,
porém é
alvar sua gargalhada.
Foge das
tristezas,
mas paira
ausente
em meio aos
prazeres,
desligada
em toda parte,
perdida em
si mesma.
O homem
anda esquecido do caminho da fé
que a
poesia sempre lhe ensinou.
O homem
está inquieto
porque lhe
falta a posse das distâncias
que só a
poesia proporciona.
O homem se
sente miserável
porque a
poesia não lhe enche a alma
daquele ouro
inesgotável
do sonho.
O mundo
necessita de poesia,
(não
importem assuadas)
cantemos
alto, poetas, cantemos!
Que seja
nossa voz
um sino de
cristal,
um sino-guia
de perdidos rumos,
vibrando no
nevoeiro de inconsciência
do momento
angustioso!
Nosso
destino, poetas, é o destino
das
cigarras e dos pássaros:
– cantar
diante da vida,
cantar
para animar
o labor do
Universo;
cantar para
acordar
ideias e
emoções;
porque no
nosso canto
há um trigo
louro,
um pão
estranho que impulsiona
o braço
humano,
e os
cérebros orienta,
uma hóstia
em que os
espíritos encontram,
na comunhão
da beleza,
a
sublimação da existência.
O mundo
necessita de poesia,
cantemos
alto, poetas, cantemos!
quarta-feira, 13 de março de 2024
terça-feira, 12 de março de 2024
Doces palavras – Dia da Mulher
Pedro Lucas Lindoso
Há
alguns dias escrevi crônica cujo título foi “Palavras, palavras, palavras”. E
confessei que sou um apaixonado por palavras. Há os que são apaixonados por
números. Assim como há poetas e escritores, há numerólogos e conhecedores da
Cabala.
Os
números me impressionam, mas gosto mesmo das palavras, dos versos e dos textos.
Há palavras pequeninas como oi. Há outras bem grandes como
inconstitucionalissimamente! Nessa primeira semana de março, que culmina com o
Dia da Mulher, milhares de homens, principalmente poetas, escritores e
cronistas procuram incessantemente por palavras bonitas. É preciso celebrar as
mulheres!
Nós,
falantes do português, somos privilegiados. Há substantivos femininos que em
outras línguas são neutros. Como exemplo vamos começar por professora. Em
Inglês, “teacher” é professor ou professora! Fico imaginando como se poderia
traduzir para o Inglês a famosa música “Meus tempos de criança”, também
conhecida como “A professorinha”. Vejamos estes versos: Que saudade da
professorinha/ Que me ensinou o beabá / Onde andará Mariazinha / Meu primeiro
amor, onde andará? Ora, “little
teacher” pode ser professorinha ou professorzinho. Afora as rimas,
também seria impossível de se fazer uma versão plausível.
Tenho
mais primas do que primos. Tanto do lado materno quanto do lado paterno. E
primas são como irmãs. Não podemos casar com elas. Mas podemos nos apaixonar
pelas primas. E em Inglês, uma palavra tão doce como prima é neutra. “Cousin”
serve para prima ou primo. Uma lástima!
As
palavras que se referem às mulheres são sempre belas, poéticas, doces. Vejamos:
mãe, avó, menina, garota. Existe palavra mais gostosa e bonita do que “garota”?
Houve
um tempo em que nós homens podíamos celebrar as moças e as mulheres sem correr
o risco de ser inconvenientes ou machistas. Mas naqueles tempos não havia um
dia especial para mulheres. Todos os dias eram delas. Mas isso até hoje é
assim! Apesar da comemoração especial do dia das mulheres, todos os dias são
mesmo delas e para elas.
Aproveito
a comemoração do dia das mulheres para homenagear as mulheres da minha vida.
Minha saudosa mãe Amine Daou Lindoso, minha esposa Vera Lindoso, minha filha
Marina Lindoso de Castro. Minhas irmãs e tias. Um carinho especial para minhas
amadas netinhas Maria Luísa, Maria Helena, Catarina e Isadora. E claro, às
inúmeras professoras que tive, do primário à pós-graduação. E por fim, às
minhas primas. Queridíssimas primas.
domingo, 10 de março de 2024
sexta-feira, 8 de março de 2024
Os que andam com os mortos
Os
que andam com os mortos, primeiro livro “oficial” de contos
adultos de Zemaria Pinto, é uma provocação. A começar pelo subtítulo, que pulveriza
os substantivos “fábulas” e “estórias” – este, uma provocação, em si mesmo – amalgamando-os
com os adjetivos “cruéis” e “más”, e resultando uma poeira que, nos olhos do
leitor, desafia os limites quadradinhos do gênero.
Invocando Mário de Andrade –
“é conto tudo aquilo que o autor chamar de conto” – e Machado de Assis – “sobre
o gênero, não sei o que diga que não seja inútil” –, Zemaria Pinto constrói em Os que andam com os mortos trinta
narrativas entre a intertextualidade, a metalinguagem e a criação mais
original: “desconforto é a palavra-chave para definir o sentimento que se quer
incutir no leitor”, diz o autor na apresentação que, não à toa, tem por título
um dissimulado “Apenas um livro de contos”.
Assassinatos, manifestações
de loucura mansa até o mais agudo desvario, delírios, pesadelos, metamorfoses –
físicas e mentais –, ais de amor, uivos de dor e outras mágoas supuradas: no
universo do demiurgo não sobra espaço para a vidinha banal, a tal da áurea
mediocridade de que falavam os antigos. Pulsa nessas trinta narrativas o mundo
como vontade e representação, num encontro clandestino entre a poesia e a
filosofia.
Como já se insinuou, os
textos emulam gêneros diversos que vão do conto convencional ao roteiro de
cinema; da fábula à Esopo ao ensaio acadêmico; do texto teatral à entrevista;
de falsas crônicas a memórias falsas. Conto com nota de rodapé? Relaxa, leitor/a:
faz parte da tática narrativa. Do caldeirão resultante sobressai-se um humor
ácido, que, se inibe a gargalhada, deixa um travo amargo na boca. Os quatro
últimos textos, entretanto, enformam uma memória da pandemia – e podem causar
um indesejável nó na garganta.
Acostumado aos embates das
análises críticas, o professor Zemaria Pinto fica muito à vontade no papel de
contista, enfeixando em um volume de desafiadora e prazerosa leitura textos que
poderiam ilustrar suas aulas de Teoria da Literatura ou seus livros de ensaios.
Evoé!
Clara Nihil, poeta e matemática,
na “orelha” do livro.
quinta-feira, 7 de março de 2024
A poesia é necessária?
Samurai
Sidney Aguiar
O samurai tocou a
katana
Observou o firmamento
Uma gota de água
explodiu em sua tez
Respirou
profundamente
e abriu o guarda-chuva.
terça-feira, 5 de março de 2024
Respeito ao sagrado
Aprendi
que todas as religiões levam a um só Deus, o Grande Criador do Universo. Mas os
ritos e o sagrado variam. E todos devem e precisam respeitar aquilo que é
sagrado para o outro.
No
último Carnaval de Salvador houve uma lamentável polêmica envolvendo as
cantoras Ivete Sangalo e Baby. Ambas provocaram constrangimentos. Carnaval é
festa profana. Trio elétrico não é local para manifestação religiosa. Estamos
nos aproximando da Páscoa. A “malhação de judas” é uma prática lamentável e
deve ser evitada. É ofensiva.
Aprendi
com meu velho pai que o respeito ao sagrado nas mais diversas religiões e
credos é um dever de todos. Os caminhos da fé se destacam ante a universalidade
do necessário respeito ao sagrado, mesmo diante da diversidade religiosa.
Ao
amanhecer, o sol nascente beija primeiro os minaretes das mesquitas, onde o
chamado para a oração reverbera, convidando os fiéis ao recolhimento e à
entrega. Não muito longe, os sinos das igrejas anunciam o início de uma nova
manhã, convocando a comunidade cristã para celebrar a esperança e a renovação
da fé. Enquanto isso, os círculos de pedra sagrada recebem os primeiros raios
de luz, preenchendo os corações dos praticantes do paganismo com a energia da
terra, do ar, do fogo e da água.
Cada
prática, cada canto, cada prece elevada, seja em um templo, uma igreja, uma
mesquita ou nas tribos dos povos da Amazônia, é um testemunho do respeito ao
sagrado. É um sentimento profundamente enraizado no coração humano, uma
reverência compartilhada que nos une apesar de nossas diferenças.
Aqui na
nossa Amazônia, as práticas espirituais dos povos indígenas, profundamente
enraizadas na terra e em suas tradições ancestrais, nos ensinam o respeito pela
sabedoria da natureza e pelos ciclos da vida, uma conexão sagrada que sustenta
a vida. Não é à toa que nas mãos dos povos indígenas estão as nossas esperanças
da preservação dos rios e das matas. A salvação do planeta!
Todas
essas manifestações de fé refletem a riqueza da experiência humana com o
divino. Apesar das diferenças, há um fio comum que nos conecta: a busca por
significado, propósito e conexão com algo maior que nós mesmos.
Neste
tempo de Quaresma para os católicos, ouso convidar meus poucos leitores a
reconhecer e respeitar o sagrado em todas as suas formas. O exercício da fé é
como uma tapeçaria tecida com fios de múltiplas cores, cada uma representando
uma tradição, uma história, uma forma de entender e viver o sagrado. Faço
também um convite à tolerância, ao diálogo e, acima de tudo, ao respeito mútuo
que deve prevalecer entre todas as formas de expressão da espiritualidade
humana.
domingo, 3 de março de 2024
sexta-feira, 1 de março de 2024
quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024
A poesia é necessária?
Do corpo, da memória
Ernesto Penafort (1936-1992)
eis que surges, noite morta.
nem te adivinhava antes,
já vagava em outras terras,
outros mares me banhavam.
entretanto, estás
presente, suor do corpo.
rastro de quem anda,
amor de quem partiu.
eis que surges, noite morta.
mesmo adivinhar-te
era um absurdo, noite morta.
principalmente agora
que vejo luz e longe,
estás presente, suor do corpo,
memória e tatuagem,
novamente suor do corpo,
estás presente,
memória de quem anda,
suor de quem partiu.
terça-feira, 27 de fevereiro de 2024
“Até 2025!” Idalina adorou o carnaval amazônico
Pedro Lucas Lindoso
Minha
querida tia Idalina se considera uma amazonense autoexilada em Copacabana.
Dizia que só retornaria a Manaus se fosse pelas asas da VARIG. Relutou durante
anos. Mas finalmente cedeu. Veio passar o Carnaval em Manaus. Depois de muito
tempo sem visitar-nos. Veio prestigiar Mazé Mourão, que foi a Rainha da Bica de
2024, como todos sabem.
Idalina
compareceu também à Banda do Boulevard e deu uma passadinha no Caldeira. Adorou
a folia. Encontrou amigos das antigas.
A
grande novidade foi o Carnaval Amazônico no Studio Cinco. Idalina achou o
máximo. Na terça-feira titia conseguiu ir para o Carnaboi de Parintins. Não se
sabe como conseguiu a passagem. Parece que foi um antigo amor, agora viúvo, que
patrocinou a farra.
Ainda
teve tempo e fôlego para assistir ao desfile das escolas de samba do Rio. Achou
a transmissão da Globo sofrível este ano. Poderiam ter contratado um cast
melhor de apresentadores.
Quando
viu uma Carmem Miranda aparecer nas arquibancadas, no Desfile da Mocidade, foi
logo dizendo:
– Estão
imitando o boi de Parintins. E as luzinhas nas arquibancadas também. Fico
feliz. Amazonenses exportando “know how” para o Rio de Janeiro. Quem diria.
Além
das folias momescas, Idalina enfrentou uma verdadeira epopeia na gastronomia
amazonense. Duas grandes amigas ofereceram tartarugadas. De procedência
legalizada, claro. Foi ainda convidada para uma caldeirada de tambaqui. Recusou
duas feijoadas. Afinal isso é prato típico de carioca. Sentiu falta de doce de
cupuaçu. Não fazem mais?
Uma
amiga que mora na Cachoeirinha soube e fez três quilos de doce. E ainda mandou
uns salames de cupuaçu. Idalina levou tudo para o Rio de Janeiro.
Um
enorme isopor continha, além dos doces de cupuaçu, três quilos de picadinho de
tambaqui congelado, quatro pacotes de farinha do Uarini, cinco quilos de
costelas de tambaqui congeladas. Sardinhas, pacu e jaraqui. Uma manta de
pirarucu seco. Duas garrafas de tucupi. Dois quilos de goma. Uma generosa
quantidade de jambu, já cozido e pronto para o tacacá. E camarão seco. No
isopor tinha ainda pupunha, tucumã, maracujá do mato e banana pacova.
Na
véspera da viagem tia Idalina fez um passeio até o Encontro das Águas. Tudo
muito divertido. Foi na lancha do antigo namorado. O simpático senhor arrumou a
lancha nos conformes e convidou as pessoas certas. Pirarucu de casaca e moqueca
de tambaqui, uma novidade para Idalina, era o carro chefe do almoço na big
lancha. Muita cerveja, whiskey e drinks diversos. Idalina adorou a surpresa.
Quando
chegamos no aeroporto, com aquele enorme isopor, senti um frio na espinha. Deu
cinquenta quilos de excesso. Só mesmo a simpatia de Idalina para conseguir
despachar todo aquele material. Ela volta no ano que vem. Até 2025. Adorei o carnaval
amazônico, disse ela.
domingo, 25 de fevereiro de 2024
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024
A poesia é necessária?
O bicho
Manuel Bandeira (1886-1868)
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
Palavras, palavras, palavras
Pedro Lucas Lindoso
Há
pessoas que são apaixonados por números. Para esses recomendo o livro O
homem que calculava. De Malba Tahan. Eu até gosto dos números. Mas a minha
paixão são mesmo as palavras. Gosto de analisá-las. Tanto na etimologia como na
morfologia. E, claro, palavras formam frases. Ou versos, que formam poemas. E
por fim, os livros, uma das minhas grandes alegrias nessa vida.
As
palavras pertencem a uma língua. Tenho o privilégio da falar e conhecer algumas,
além do português. No português elas são mais doces. Idioma materno em que ouvi
as cantigas de ninar da boca de minha mãe, de minhas avós, tias e babás.
A língua
italiana, que aprendi ainda adolescente, é muito sonora. O francês também é um
idioma lindo. As canções em francês são especiais nas vozes de Aznavour e Edith
Piaf.
A vida
me fez estudar o inglês com mais afinco. Eu gosto de me comunicar na língua de
Shakespeare, Poe e Walt Whitman. Depois do português é a língua que mais
conheço. E como é difícil ter proficiência e competência em qualquer idioma!
Observo
as mudanças. As línguas mudam no tempo e no espaço. O inglês falado em Ohio,
nos Estados Unidos, nos anos setenta, quando eu fiz intercâmbio, é diferente do
falado nos filmes e “lives” da internet de nossos dias.
E o
nosso português também sofre mudanças. Algumas questionáveis, que não passam,
no meu sentir, de modismos sem qualquer propósito. Como a tal linguagem neutra.
Acredito que não vai “pegar”. Simplesmente porque não nasceu da boca do povão.
É o que penso.
Outro
dia, fui instado a falar sobre literatura para um simpático grupo de
estudantes. Havia mais moças que rapazes. Comecei cumprimentando-os. Bom dia a
todos! Fiz uma pequena pausa. E ouvi, bem baixinho: todos e todas!
Era o
que eu precisava para começar minha fala. Aprendi com dona Osmarina, minha
professora de português em Brasília, que todos nesse caso se referia a todos,
independentemente de sexo ou orientação sexual. E que todos e todas seriam um
pleonasmo. E essa coisa de linguagem neutra, como disse e repito, vai passar.
No Português há palavras neutras como criança por exemplo. Ninguém diz o
criança para meninos e a criança para meninas. Podemos citar muitos outros
exemplos. Essa discussão é infinita e não cabe numa simples crônica. Reconheço,
entretanto, que usar o português corretamente é mais difícil para as mulheres.
Agradecer, por exemplo. Homens devem dizer obrigado. Mulheres, obrigada. Há
mulheres que agradecem errado. Não foram alunas de dona Osmarina. Como disse
Shakespeare em Hamlet: “words, words, words”. Palavras, palavras, palavras.
domingo, 18 de fevereiro de 2024
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
A poesia é necessária?
Transforma-se o amador em terrorista
Rogel Samuel (1943-2023)
Transforma-se o amador em terrorista
e sua Inês fálica pela origem
em seus braços onde levará?
Interdita por preservativos
sua Beatriz de amar armada
quando ama mata o amado.
Voltando a seu devotamento
estranha ter acontecido
com os cavalos dos seus bandidos
com ao cabelos dos seus amigos
que cavaram os covis da espécie.
Que cantam poeticamente
com malícia e com amor
a sua viagem posto que mentida
segue a espessura do caminho
pela estrela que persegue abrigo
nos cines pornôs e hotéis baratos.
As suas crianças nas suas carências
habitam nuas e perigosas
na noite soltas transadas pelas ruas.
São seres mágicos e indiciados
pela polícia e pelo giro
de cata-ventos de espelho
pelo desejo de preço e pela dor
erotizada dos primeiros medos.
Sextante exato das horas
das estórias das glórias clandestinas
medicalizadas neste monte de lixo
onde dos restos de hospitais a flor da morte
(dia virá em que os amantes
serão caçados a bala).
terça-feira, 13 de fevereiro de 2024
Pular o carnaval
Pedro Lucas Lindoso
Algumas
pessoas gostam de pular o carnaval. Outras aproveitam o feriadão para descansar
ou passear. Ou até para retiros espirituais. Outras gostam de pular o carnaval,
mas estão impossibilitadas pelo simples fato de estarem temporariamente
doentes.
Meu
saudoso tio Padre Moisés Lindoso nos ensinava que Jesus não nos quer enfermos.
Jesus também não nos culpa de nossas doenças. Não somos culpados e nem tampouco
nossos pais.
A
explicação para nossas enfermidades, de acordo com a Igreja, parece-me que está
no Genesis. “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra,
porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás”.
A
desobediência de Adão e Eva os levou a condição de humanos e ao trabalho. Penso
também que Deus jamais quis que nós humanos ficássemos doentes. Muito menos seu
Filho, que habitou entre nós. Jesus curava as pessoas. Curou muitos e dizia que
a Fé os curava.
Não é
bom ficar doente. Ninguém gosta. Exceto os hipocondríacos. Aqueles que chegam
nas farmácias e perguntam pelas novidades. Principalmente na época do carnaval,
a doença é muito inconveniente. Há os que esperam o ano inteiro pelo reinado do
Momo.
Já tive
que explicar para um falante de Inglês o significado de “pular” o Carnaval. Em
português pular significa saltar, andar depressa e aos pulos. Além do
significado de transpor. E como parte de várias expressões idiomáticas. O fato
é que dançamos o carnaval. Há até os que literalmente pulam. Mas o samba é
dançado, o axé também. Talvez no frevo haja mais pulos. Mas dizemos que
dançamos frevo, jamais pulamos frevo!
Agora,
vai explicar isso para os gringos! Pular em Inglês é “jump”. E o vocábulo
restringe-se a saltar. Já para os brasileiros “jump” é uma atividade aeróbica
muito em voga nas academias de ginástica. Então, definitivamente, não dá para
traduzir literalmente, pular o carnaval, para “jump the carnival”. Costumo
traduzir como “celebrate the carnival”
Coincidentemente,
a Igreja Católica reservou esse domingo para celebrar o dia mundial do enfermo.
Não acho muito apropriada a palavra “celebrar” para enfermos. A Igreja promove
uma jornada anual pelos doentes.
Com
certeza o Papa Francisco, que é um Papa pop, vai rezar para que os enfermos deste
ano, impossibilitados de pular o carnaval, possam fazê-lo, com plena saúde, em
2025!
domingo, 11 de fevereiro de 2024
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024
A poesia é necessária?
Sabiá com trevas
Manoel de Barros (1916-2014)
IX
O poema é antes de tudo um inutensílio.
Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.
Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.
Faz bem uma janela aberta.
Uma veia aberta.
Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
Enquanto vida houver
Ninguém é pai de um poema sem morrer
terça-feira, 6 de fevereiro de 2024
Não faltam confete e serpentina
Pedro Lucas Lindoso
Domingo
passado, alguns moradores de Copacabana, no Rio de Janeiro ficaram 12 horas sem
luz elétrica. Mais especificamente, no quarteirão onde mora Tia Idalina. Ela me
conta, via WhatsApp, que foi um caos.
Disse à
titia que em Manaus continuamos a ter problemas de abastecimento. Não só de
luz, mas de muitas outras coisas. É comum faltar energia em algumas áreas da
cidade. Muitos prédios possuem gerador próprio. Titia não permite que se fale
mal de Manaus. Aliás, só admite reclamações de amazonenses.
A
verdade é que sempre sofremos por falta de abastecimento regular de algumas
coisas de vital importância. Ninguém esquece o drama vivido pela cidade durante
a pandemia. Faltou oxigênio e o Brasil acompanhou a dramática situação vivida
por nós aqui na cidade. De repente o consumo de oxigênio ficou quinze vezes
mais alto em menos de dez dias!
Nos
anos sessenta do século passado, antes da Zona Franca, sempre “faltava” algum
gênero de primeira necessidade. As comadres logo ficavam sabendo que poderia
faltar arroz. Então todos corriam para as mercearias e mercados atrás do
produto. As vezes o estoque estava até dentro da normalidade. Mas, com o boato,
as pessoas estocavam. E sempre faltava para os outros desavisados.
Na nossa casa, na Henrique Martins, tinha uma
dispensa para guardar produtos não perecíveis. Numa família de sete filhos não
pode faltar leite, por exemplo. Podia-se comprar leite in natura, vindo
das fazendas do Careiro. Mas era muito irregular. Usava-se muito leite em pó.
Era muito frequente o uso do leite condensado. Darinha, nossa empregada de toda
a vida, chamava-o de leite condenado. Hoje há variedades de leite em pó com
especificidades diversas. Alguns bebês precisam de determinado tipo de leite.
Uns bastante caros, por sinal.
Essa última seca foi dramática. O
abastecimento na cidade ficou prejudicado. Desde a fim da pandemia começamos a
sentir falta de alguns produtos. Mas, recentemente, a coisa ficou mais
complicada com a logística afetada pelos rios.
A estiagem não é uma novidade por aqui.
Todos
os anos, no segundo semestre, há uma redução das chuvas. Daí ocorre a redução
do volume de água nos rios. Isso complica a vida dos moradores e das empresas.
No ano de 2023 a vazante foi recorde. A seca acabou impossibilitando
parcialmente a navegação pelos nossos rios. Os produtos que sofrem mais impacto
são os alimentos, como arroz, congelados e resfriados. O cimento, metais e cerâmica
provocaram aumento na construção civil. Com a idade nos tornamos consumidores
de alguns remédios de uso contínuo. Fiquei preocupado com a falta de um
determinado remédio que me é imprescindível. Tia Idalina, que veio do Rio para
o Carnaval, me trouxe cinco caixas. Um exagero.
Titia
veio especialmente para prestigiar Mazé Mourão, que, como todos sabem, é a
madrinha da BICA deste ano. Idalina trouxe um estoque de confete e serpentina
do Rio. Também imprescindíveis para as folias. Bobagem! Jamais faltou confete e
serpentina no nosso carnaval!
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024
O Concultura e o “voto de cabresto”
Zemaria
Pinto
A
primeira vez que associei o Conselho Municipal de Cultura ao voto de cabresto
foi há muitos anos, quando o então presidente sugeriu minha candidatura a
conselheiro, explicando-me detalhadamente como eu deveria montar meu “esquema”
para me dar bem.
– Mas,
isso é voto de cabresto!
Ensaiei
encher a cabeça do meu interlocutor de sugestões éticas e técnicas para dar
seriedade ao processo. Ele alegou um compromisso urgente, virou-me as costas e
nunca mais se falou no assunto.
O
chamado voto de cabresto é uma herança do Império. O voto era aberto e os
coronéis controlavam cada um o seu “curral eleitoral”. O eleitor – homens brancos,
alfabetizados, acima de 21 anos – era conduzido por um cabresto metafórico a
votar nos candidatos do patrão.
Veio a
libertação dos escravos, a proclamação da República e o “direito” de votar para
os cargos executivos. Quase nada mudou: homens pretos alfabetizados
(raridades!) somaram-se aos brancos na composição do curral.
Com a
ditadura de Vargas, implantou-se, em 1932, o voto secreto universal e o voto
feminino; a idade baixou para 18 anos, mas analfabetos e indígenas só puderam
votar depois da Constituinte de 1988. Fim do voto de cabresto?
Não
entrarei em detalhes, mas o voto de cabresto continua sob o controle de
milícias, pastores (de todas as igrejas) e falsos líderes, que impõem, com o
uso da violência e do poderio financeiro, a vontade de seus coronéis.
E no
Concultura, como funciona? A cada eleição, faz-se um cadastro de votantes, por
atividade. O cadastro feito há poucos anos foi jogado fora, assim como o fora o
cadastro anterior, até o princípio dos tempos. Um retrabalho estúpido e
injustificável.
E qual
é o “esquema” para eleger um conselheiro? O cabresto, claro. O candidato sai em
busca de eleitores e, antes de convencê-los a se tornarem eleitores,
convence-os a votar em si. Na pior das hipóteses, arranca-lhes um compromisso,
que será ou não cumprido. E vale inflar como uma bexiga de porco o número de
falsos eleitores... Vocês devem conhecer as histórias que se contam a respeito
– não preciso repeti-las.
Lanço
aqui um desafio, válido para a atual direção do Conselho e para os conselheiros
que serão eleitos no dia 20 de fevereiro: assumam, de público, o compromisso de
mudar essa forma vergonhosa de votação, já para a próxima eleição. Definam
claramente quem pode ser eleitor, nas diversas áreas da cultura – e que esse
requisito seja comprovável.
É
importante levar em conta que alguém pode se enquadrar em mais de uma
atividade. A pessoa pode ser da Literatura, do Teatro e da Música, por exemplo
(estou pensando no poeta, dramaturgo e compositor Aldisio Filgueiras). Antes da
eleição, ela terá um prazo para se definir em qual atividade quer votar (e ser
votada, se for o caso).
Enfim, não
podemos nos omitir. Precisamos denunciar e desafiar as más práticas e os maus
praticantes. Em nome da Arte, da Cultura e da Democracia.
PS: não sou candidato a nada, mas meu coração não se conforma; o meu peito é do contra e por isso mete bronca neste texto-plataforma...
(a benção, mestre Aldir!)