Amigos do Fingidor

domingo, 28 de fevereiro de 2016

sábado, 27 de fevereiro de 2016

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

roteiro para depois da minha morte (iv/iv)


Zemaria Pinto

caminho por esta praça
como se em terra estrangeira
não reconheço ninguém
ninguém a mim reconhece

exceto os pombos
que se agitam a minha volta
as sombras que habitam a praça
são construções de silêncios
dissimuladas em falsos sorrisos

estanco no centro da praça:
se aperto o gatilho, espanto os pombos


Rodoviária



Paulo Sérgio Medeiros

Dois anos atrás estava na rodoviária de Curitiba, esperando para embarcar no ônibus 249 com destino a Florianópolis. Em meio a speeches de embarques e desembarques, a garota – de seis anos – inquieta com aqueles trinta minutos de ostracismo, se vira para o pai e estaciona uma pergunta na vaga de sua ociosidade:
– Pai, o que é uma rodoviária?
– O que é uma rodoviária? Ele Repete a pergunta enquanto mergulhava nos rincões dos seus pensamentos em busca de uma boa resposta para ela.
Minha filha, assim de supetão, eu diria que rodoviária é um lugar de partidas e chegadas, porém, há mais mistérios por trás dessas idas e vindas que até a nossa vã filosofia desconhece.
Alguns trazem ou levam na bagagem histórias de sucesso, outros, no entanto, desembarcam ou embarcam com o amargo do fracasso. Tá vendo aquele pai chorando ali? É de alegria. Tá vendo aquela mãe chorando mais pra lá? É de tristeza.  Rodoviária, minha filha, é lugar de encontros e desencontros. Aqui, em cada plataforma de embarque e desembarque fervilham sonhos, ansiedades, expectativas, saudades, medo do novo, medo do velho. Rodoviária é uma metáfora da vida, meu amor.
– Ah, tá.
“Atenção senhores passageiros do ônibus 249, com destino a São José, Blumenau, Balneário Camboriú e Florianópolis, embarque imediato, plataforma D. Boa viagem.”
– Pai, o que é metáfora?
– O que é metáfora? Vamos minha filha, te explico assim que a gente se acomodar lá dentro do nosso sonho.

Evolucionismo como escolha na Medicina



João Bosco Botelho

A genialidade da teoria de Darwin, na época da publicação, desvinculada dos saberes da genética, embutia o pressuposto de as mudanças impostas ao corpo, ditadas pela adaptação ao meio e à sobrevivência dos seres, serem repassadas à descendência.
De certa forma, as ideias de Darwin fomentaram a leitura evolucionista de Jean Baptiste Lamarck. Esse notável botânico francês negou a imobilidade dos seres vivos e os organizou como numa escada rolante, das formas menores e mais simples às maiores e mais complexas. Também acreditou que a mudança dos corpos era regida pelas necessidades de cada ser vivente, por meio do uso e do desuso das funções orgânicas e dos sentidos natos e que essas transformações seriam herdadas pelas novas gerações.
Contrariamente ao pensamento corrente, Darwin não descreveu a teoria evolucionista. O maior mérito desse cientista foi enfatizar um modelo particular de seleção natural, para explicar a transformação das espécies. Esse modelo, dito seletivo, compreende certo período de tempo, durante o qual podem ocorrer variações morfológicas, produzidas aleatoriamente entre os seres vivos.
Ao contrário, o modelo de Lamarck tem dois componentes: o primeiro, voltado ao organismo em si mesmo, no qual todos os organismos vivos possuem a tendência de evoluir do menos para o mais complexo; o segundo, relacionado ao meio ambiente, no qual todos os seres vivos sofrem a influência na natureza circundante e graças a essa interação ocorre a diversidade das espécies.
O exemplo da girafa pode, perfeitamente, contribuir para diferenciar os dois modelos: no de Darwin, seletivo, em todos os animais podem ocorrer variações em todos os sentidos, sem interferência da natureza circundante. Assim, somente as girafas com o pescoço mais longo poderão alimentar-se de forma mais adequada e, consequentemente, se reproduzir; no de Lamark, pressupõe a relação entre a necessidade da sobrevivência-reprodução e a mudança da forma do corpo.
Para a biologia molecular, os seres vivos são constituídos por dois tipos principais de moléculas: os ácidos nucléicos (AND e ARN) e as proteínas. Cada proteína é elaborada a partir de um gene. Esse gene é, inicialmente, recopiado em ARN (transcriptação), para, em seguida, a partir da cópia, estruturar a síntese da proteína (tradução). Dessa forma, a biologia molecular está estruturada sob esse dogma fundamental que sustenta como sendo unidirecional na elaboração das proteínas, isto é, só o gene determina a síntese das proteínas e nunca o contrário. Contudo, é possível que esse mecanismo não esteja engessado e, contrariamente, possua certa plasticidade. 
Considerando a infinita complexidade dos seres vivos, é possível que a relação entre gene e proteína seja regida pela plasticidade e não imobilizada pelo determinismo genético, isto é, os humanos seriam produtos das relações entre a natureza circundante x os copos x as moléculas.
É desnecessário repetir a resistência às novas idéias evolucionistas darwinianas, contudo, a ruptura com o imobilismo do Gênese bíblico estava claramente iniciada. Darwin trouxe à baila as variáveis da seleção natural frente à capacidade de sobrevivência do animal, ligadas às fontes de alimentos, em ambiente específico, como o ponto fundamental das transformações biológicas. Na dependência da comida disponível, os mais adaptados ao meio viverão e os outros, menos aptos, serão eliminados pela seleção natural.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

IGHA dá posse a três novos associados

(Release)


No próximo dia 26, às 19h30, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas estará dando posse a três novos associados: Aguinaldo Figueiredo, Júlio Antônio Lopes e Zemaria Pinto, nas cadeiras que têm por patrono, respectivamente, Gabriel de Souza, Frei José dos Inocentes e Nunes Pereira. Fundado em 1917, o IGHA é hoje a instituição cultural mais antiga do Amazonas, rivalizando, como bons irmãos, com a Academia Amazonense de Letras, um ano mais nova. Situado à rua Bernardo Ramos, no Centro Histórico de Manaus, o IGHA, além de promover seminários e palestras, possui um museu próprio, com valiosas peças históricas, além de uma coleção única de peças indígenas. Sua biblioteca e, principalmente, sua hemeroteca são pontos obrigatórios para os que se dedicam a pesquisar sobre a Amazônia. 19°

Na ocasião, será entregue aos presentes o livro Nunes Pereira, esboço em cinza e sombras, de Zemaria Pinto, um ensaio em homenagem àquele que foi um dos mais notáveis etnólogos brasileiros.

Os novos sócios

Aguinaldo Nascimento Figueiredo é amazonense de Manaus, nascido em 1958. Em 2000 graduou-se em História pela Universidade Federal do Amazonas. É professor efetivo da rede pública de ensino, há mais de 20 anos. Escreveu, em 2003, o livro História Geral do Amazonas, que alcançou três edições. Em 2011, publicou História do Amazonas, pela Editora Valer. Foi o ganhador do “Prêmio Mário Ypiranga Monteiro”, em 2008, promovido pela Prefeitura de Manaus, com o livro Santa Luzia: história e memória do povo do Emboca. Em 2010, ganhou o “Prêmio Literário Cidade de Manaus”, na categoria Ensaio Histórico Arthur Reis com o livro – Samurais das Selvas: a presença japonesa no Amazonas. É autor de mais de 500 artigos no jornal “O Estado do Amazonas”, nos cadernos de “História e Geografia do Amazonas” e “Museu do Conhecimento”, de 2004 a 2006, trabalhos que lhe valeram “Votos de Aplausos” no Senado Federal em 2015. Escreveu ainda para outros jornais e para a revista “Big Amazônia” e “Mais Manaus”. Recebeu “Menção Honrosa” no Prêmio Samuel Benchimol, em 2012, com o trabalho A Indústria no Amazonas: memorial histórico.

Júlio Antônio de Jorge Lopes, casado, pai de quatros filhos e advogado, é graduado pela Faculdade de Direito de Universidade Federal do Amazonas. É membro da Academia Amazonense de Letras, onde ocupa a cadeira de n. 23, cujo patrono é o poeta simbolista Cruz e Sousa; do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas (ABCMP), onde ocupa a cadeira de n. 1, cujo patrono é Machado Paupério; da Associação Nacional de Escritores (ANE); da Confraria Dom Quixote; e do Conselho Diretor da Associação PanAmazônia. No dia 18/03 próximo, no Rio de Janeiro, será empossado na cadeira de n.7 da Academia Internacional de Jurisprudência e Direito Comparado, cujo patrono é o ex-ministro do STF Alfredo Buzaid. É autor dos seguintes livros: Bernardo Cabral, um Estadista da Republica, A Crítica de Umberto Calderaro Filho, Fábio Lucena, grandes vultos que honraram o Senado, O STF e a Imprensa, temas atuais, O sigilo da fonte e Sejamos Luz. É coautor e coordenador da obra 25 anos de Constituição Cidadã – Estudos em homenagem ao Relator J. Bernardo Cabral. Tem atuação destacada na advocacia, em causas relacionadas à liberdade de imprensa, o que lhe valeu o convite para ingressar na Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Zemaria Pinto, 59 anos, é poeta, ensaísta, dramaturgo e ficcionista, além de compositor bissexto. Tem participação em mais de uma dezena de antologias, além de trabalhos publicados nos anais de diversos congressos literários. É professor de literatura, com especialização em Literatura Brasileira e mestrado em Estudos Literários. Tem 19 livros publicados, entre os quais destacam-se: Ensaios Ligeiros (artigos); A invenção do Expressionismo em Augusto dos Anjos (ensaio); O urubu albino (infantil); A cidade perdida dos meninos-peixes (juvenil); O texto nu (teoria literária); Nós, Medéia (teatro); e Música para surdos (poesia). Além de Nós, Medéia, premiada, em 2002, como o melhor texto adulto em concurso da Secretaria Estadual de Cultura, é autor de mais cinco textos para teatro, todos encenados. Tem ainda duas peças de teatro e uma dezena de livros inéditos, entre ensaios, contos, infantis e poesia. Mantém os blogs Palavra do Fingidor, de contos e ensaios, e Poesia na Alcova, de poesia erótica e pornográfica. É membro da Academia Amazonense de Letras, desde setembro de 2004.

Nunes Pereira, esboço em cinza e sombras,
é o 
19° livro de Zemaria Pinto.
Os três novos associados do IGHA.
De cima para baixo: Júlio Lopes, Zemaria Pinto e Aguinaldo Figueiredo.

Caderno Estilo de Vida, do Jornal do Commercio,
de 24.02.2016.

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Justin Gibson.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O segredo do Dr. Maiêutica



Pedro Lucas Lindoso

Serei avô em breve. Já sabemos que será uma linda princesinha e se chama Maria Luísa. Hoje, com as sofisticadas ultrassonografias pode-se ver o sexo e até as feições do neném. Uma maravilha da tecnologia e da medicina moderna.
Nem sempre foi assim. Até a década de setenta do século passado só se sabia o sexo da criança quando do nascimento. A primeira pergunta era:
– Menino ou menina? Depois se perguntava se tinha sido normal ou cesariana.
Tia Idalina quase sempre acertava analisando a barriga da gestante. Se fosse redonda era menina. Se fosse pontuda menino na certa.
Havia um obstetra ginecologista aqui em Manaus que não errava nunca. Examinava a paciente e dizia o sexo. Geralmente na última consulta antes do nascimento.
Quase sempre acertava. Mas nem sempre. Há controvérsias, dizia tia Idalina. Uma de suas sobrinhas teve uma menina e ele havia dito que era menino. Quando se viu a ficha da paciente estava lá, datilografado. Sexo: FEMININO.
Muito estranho, pensou tia Idalina. Eu me lembro da mãe da criança dizer que ele afirmara ser menino.
– Acho que ouvi errado, comentou a mãe da neném.
Dentre as manias de tia Idalina a mais inusitada é quando ela resolve dar uma de Sherlock Holmes.
Foi assim que implementou uma amizade com a secretária do ginecologista, o qual chamaremos de Dr. Maiêutica.
Conversa vai, conversa vem, Idalina voltava ao assunto:
– Barriga redonda é menina na certa. Já quando a barriga é meio pontuda deve ser menino.
No que a moça rebateu:
– Isso é mito, dona Idalina.
Aproveitando a deixa ela perguntou como Dr. Maiêutica adivinhava o sexo dos bebês de suas pacientes. A moça pediu segredo de morte, sob pena de perder o emprego e confessou:

– Ele diz para a paciente um sexo e escreve o outro na ficha. Quando acerta, tudo bem. Quando erra mostra a ficha e diz que a mãe se confundiu. Esperto ele, não?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

As primeiras palavras




                                                                                     Tainá Vieira

O choro do bebê ao nascer é a primeira forma de incursão ao mundo da linguagem. A partir dos quatro ou cinco meses o bebê já começa a emitir alguns sons como “mama” e “papa” e outros. Daí por diante o vocabulário do bebê só aumenta, uma vez que, segundo pesquisadores, até alcançar os dois anos de idade o bebe já assimilou cerca de 200 palavras.  Aos dois anos de idade o bebê também já consegue formar frases, ainda que sejam curtas, mas falam.
Maria começou a falar nitidamente algumas palavras. E quase já consegue dizer perfeitamente algumas frases. A palavra “mamãe” soa como música aos meus ouvidos. Sai tão perfeito a palavra “mamãe” assim como “papai”. Já a frase “minha mãe, minha mô”, ainda precisa ser trabalhada, mas é claro, no tempo certo. Na verdade, conforme os pais forem falando, de uma maneira clara e objetiva e usando a norma padrão da Língua os bebês vão observando e assimilando as palavras para depois falarem também. É importante que o “tatibitate” não seja usado com muita frequência na presença dos bebês, por mais que seja fofo, devemos evitá-lo ao máximo que pudermos. Os pais são os maiores exemplos dos filhos, tudo o que fizerem ou falarem os filhos os observarão e irão imitá-los. Assim sendo, a partir do momento que nos tornamos mãe e pai, temos que ter cuidado com a nossa fala, do mesmo jeito que temos com a nossa alimentação.
Pois bem, Maria completou um ano e cinco meses, e já começou a falar “mamãe”, e fala também “au, au” para o cachorro, “car”, para o carro, “dia” ao acordar, que significa bom dia, fala a palavra “não” nitidamente, assim como “quer” quando pergunto a ela se quer algo, e também a frase “me dá.” É emocionante acompanhar o desabrochar de um ser humano em forma de filho, no caso aqui é a Maria, minha flor de amor. Outro dia falei sobre o hábito de ler que ela adquiriu, a linguagem da leitura ainda é a linguagem dos bebês. Ela folheia página por página do livro e lê “gog gog”, não sei o que significa isso. É claro que ela não ler corretamente porque ela ainda não sabe organizar as letras e formar as palavras, afinal ela é apenas um bebê. O importante que aos poucos ela vai aprendendo as coisas e vale frisar que, tudo o que ela aprende, ela aprende naturalmente, aprende ao observar, com a convivência e com os exemplos, nada é forçado.  Ela vive como um bebê da sua idade vive. É claro que todo bebê tem o desenvolvimento diferente um do outro, por isso que há bebês que só começam a falar quando completam o segundo ano de vida, e isso é normal. Mas é maravilhoso de se ver aquele bebê de fralda andando atrás da gente e falando “mamãe”.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

sábado, 20 de fevereiro de 2016

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Arantza Sestayo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

roteiro para depois da minha morte (iii/iv)


Zemaria Pinto

lucidez – ideia e luz
farra do pensamento
clareza e percepção
transparência e consciência
tudo num só enleio
Baco e Febo abraçados
único sinal vital
que me desejo

Pequeno grande homem



Paulo Sérgio Medeiros

No pátio da escola, sentado ao pé de uma árvore, esperava pela minha filha Larissa. Outras crianças já se divertiam durante aquele momento mais aguardado da aula – a hora da saída.
Fiquei observando aqueles futuros arquitetos, engenheiros, médicos e advogados enquanto eles brincavam. Quanta leveza e pureza nos rostos e nos gestos. Todos desarmados de malícia. Deu até vontade de ser criança de novo, mas quando lembrei do Adail, esse pensamento logo se dissipou.
Já passava das cinco horas e o sol já se escondia quando apareceu o garoto, aproximadamente seis anos, um metro e vinte, pardo, voz macia. Aproximou-se e pediu, com a polidez de um gentleman, licença para sentar ao meu lado. Gentilmente permiti sua companhia. Ele carregava duas sementes nas mãos e me ofereceu uma. Aceitei o presente e desembrulhei um "valeu, garoto!" E em seguida perguntei o seu nome. Meu nome é Téo.
E depois disso veio o que me motivou a escrever estas poucas linhas. Téo continuou. Eu gosto de compartilhar. Eu coleciono sementes, mas gosto de dividir. A Larissa então chegou e tivemos que partir. Porém, não poderia deixar de parabenizá-lo. Apertei sua mão e compartilhei minha primeira impressão sobre ele: Téo, poucas pessoas conhecem a dona generosidade. Continue assim, garoto!
Foram necessários apenas cinco minutos para aquele pequeno me ensinar a ser grande.

P.S. Na hora de ir ele sorriu tão bonitinho que acho até que a Larissa deu bandeira pra ele.

Academia Nacional de Cirurgia, em Paris


João Bosco Botelho

As tradições acadêmicas da medicina cirúrgica, na França, estão tão plenas de histórias de longa duração, ancorando novas técnicas, para obter melhores resultados, que em determinados momentos é possível identificar o quanto as cirurgias praticadas no mundo estão ligadas às publicações francesas.
A busca pela qualidade do procedimento cirúrgico se tornou muito mais persistente após a Revolução Francesa, ao abolir, para sempre, a perversidade autoritária que caracterizava a realeza daqueles tempos: "Je suis le Roi; je peux faire tout!" (Eu sou o rei, eu posso fazer tudo!). Esse extraordinário avanço nas relações sociopolíticas chegou às universidades em plena ascensão. Professores e alunos reaprenderam que ninguém é dono da universidade!
A história da Academia Nacional de Cirurgia começou em 1731, com o projeto dos cirurgiões-do-reino George Mareschal e François Peyronie apresentado ao rei Luís XV, sendo criada por Édito Real a Academia Real dos Cirurgiões. Após longas negociações com os padres franciscanos, o convento "Des Cordeliers", na rue de l'École, se tornou a sede, onde se mantém até os dias atuais.
Na realidade, a escolha dos cirurgiões para que a sede "Des Cordeliers", situada na rue de l'École, ficasse sob a guarda dos cirurgiões não foi por mero acaso: ao longo dessa rua, entre os séculos 14 e 15, existiram vários pequenos anfiteatros, onde os médicos romperam, corajosamente, enfrentado as autoridades eclesiásticas e a guarda do Rei, as proibições de estudar a anatomia humana, durante dez séculos proibida pela Igreja.
Inserido no contexto histórico das liberdades que regem os destinos das universidades, desde as primeiras, fundadas no século 12, como a Universidade de Paris, a Academia Real de Cirurgiões valorizou a produção científica em detrimento das indicações políticas, alicerçando os pilares da França com o baluarte das liberdades. Por essa razão, no primeiro estatuto da Academia, valendo até hoje, reza no artigo 12: "Serão recebidos com honras os cirurgiões dos países estrangeiros que mais se distinguirem na arte da cirurgia".
Nos meses que antecederam a Revolução Francesa, tanto na sede da Academia quanto nas ruas estreitas do Quartier Latin, no lado esquerdo do rio Sena, na proximidade da catedral de Notre Dame, onde moravam as pessoas pobres, os cirurgiões recusaram os presentes oferecidos pelos administradores do rei, que pensavam poder fazer tudo na universidade; os cirurgiões se reuniam para conspirar contra o rei.   
O Quartier Latin recebeu essa denominação porque os espiões do rei, que falavam o antigo dialeto franciano, não compreendiam o latim, a língua erudita corrente entre os poucos escolarizados. Mesmo com esses cuidados, muitos cirurgiões que recusavam os presentes foram assassinados.
Os sobreviventes se sentaram ao lado dos revolucionários, em especial, Danton e Robespierre, na sede "Des Cordeliers". Esses homens especiais, que resistiram viram a vitória da Revolução Francesa, a morte na guilhotina do rei Luis XVI e a dos que ofereceram presentes, a aprovação da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" e a edição dos princípios máximos da cultura ocidental:  "Liberdade, Igualdade e Fraternidade".
Imediatamente após a Revolução Francesa, as universidades iniciaram o processo de abominar qualquer pessoa que possa pensar como "Eu sou o rei! Eu posso fazer tudo! Eu ofereço presentes!"

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

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Autor desconhecido.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Mano velho


Pedro Lindoso

No final do ano renovamos nossas forças. É tempo de ser grato. Expressar gratidão a Deus, a nossos pais, aos nossos familiares e aos amigos. As amizades explicam a nossa vida. Roberto Carlos, que sempre aparece nessa época de festas, canta que quer “ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar”. Em outra de suas músicas evoca os amigos cantando: ”você meu amigo de fé, meu irmão camarada”.
Não precisamos de um milhão de amigos, mas é essencial ter amigos irmãos, camaradas. Aqui em Manaus chamamos os amigos de manos e manas. Houve época em que Roberto Carlos chamava seus amigos de bicho.  “É uma brasa, mora. Viu, bicho?”. A moda passou. Novas palavras e expressões entraram e saíram de uso. Amigo virou “o cara”, ou “véio’, corruptela de “velho”.
My friend, mon ami, amigo. Meu amigo Charles. My friend Charles Brown.
Tive uma colega de trabalho, comadre Ana, que chamava todos os seus amigos de compadre e comadre. Era carinhosamente conhecida como comadre. Uma simpatia.
Sobre amigo, há uma insuperável crônica de Carlos Drummond de Andrade – Precisa-se de um Amigo, em que diz:

Não precisa ser homem, basta ser humano, ter sentimentos. Não é preciso que seja de primeira mão, nem imprescindível, que seja de segunda mão. Não é preciso que seja puro, ou todo impuro, mas não deve ser vulgar. Pode já ter sido enganado (todos os amigos são enganados). Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar aquelas que não puderam nascer. Deve amar o próximo e respeitar a dor que todos levam consigo. Tem que gostar de poesia, dos pássaros, do pôr do sol e do canto dos ventos. E seu principal objetivo de ser o de ser amigo. Precisa-se de um amigo que faça a vida valer a pena, não porque a vida é bela, mas por já se ter um amigo. Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo. Precisa-se de um amigo para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Grande Carlos Drummond de Andrade!
E aqui em Manaus, continuamos a nos chamar de manos e manas. Quando a amizade é grande as mulheres se chamam de manazinhas. E nós, homens, dizemos fraternalmente:
– Feliz ano novo, mano velho.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O importante é brincar



                                                                                                        Tainá Vieira

Crianças adoram brincar com qualquer coisa que não sejam os seus brinquedos, por mais que espalhemos brinquedos pela casa toda, elas irão brincar com tudo, menos com os seus brinquedos.  Maria abre as portas do armário sob a pia e pega as panelas, chega a ser engraçado ver aquela miniatura de pessoa carregando as frigideiras, caçarolas e as tampas das panelas, o barulho é estridente, chego a ficar com dó dos vizinhos que moram embaixo no nosso apartamento, não sei se eles gostam do barulho, pelo menos nunca vieram reclamar, ou talvez, eles gostem, devem se lembrar dos filhos.  Não conheço esses vizinhos, nunca os vi, mas soube que é um casal de idosos, talvez estejam surdos.  Mas para evitar qualquer situação desagradável, não deixo que ela brinque muito com as panelas.
Outra brincadeira que a Maria gosta é retirar meus sapatos da sapateira. Todo santo dia ela faz isso e se diverte muito, quando me distraio uns segundos, lá estão os meus sapatos pela casa toda.  Geralmente as meninas pegam os sapatos da mãe e tentam calçá-los, mas a Maria não, ela pega os sapatos que estão lá, todos arrumados e os espalha pela casa. Se bem que ela ainda é muito bebê para querer calçá-los.  Ela já entende alguns comandos e os obedece, eu peço a ela que coloque os sapatos de volta no lugar e assim ela faz. São as panelas, os sapatos, as fraldas que ficam arrumadas na gaveta, tudo é jogado, espalhado pela casa. Sei que está dando a impressão de uma casa em completa desordem, mas não é assim, Maria bagunça e arruma tudo depois.  E casa bagunçada significa criança feliz.
Maria gosta de tintas, lápis de cor e batons... Quando ela tinha oito meses comprei umas tintas não tóxicas para ela pintar. Na verdade, era mais eu que queria registrar a marca de suas mãozinhas e de seus pezinhos. Coisa de mãe. Após o seu primeiro aniversário, comprei uma caixa de giz de cera, “o meu primeiro giz de cera”. Pintava para ela ver, a partir daí, Maria se interessou pelas cores, começou a esfregar o giz de cera no papel, e também passou a pedir para brincar com a tinta. Teve um dia que quase desfaleci ao ver Maria, me distrair uns segundos e quando olhei para ela a vejo toda riscada com tinta de caneta. Sei que é muito perigoso, temos que ter muito cuidado com caneta e lápis, as crianças podem se machucar, por isso fiquei muito nervosa, escondi todas as canetas e lápis da casa e deixei à vista de Maria apenas a caixa de giz de cera e as tintas. Outro dia, pasmem vocês, ela subiu na cadeira que fica perto da estante de livros e que também uso como escrivaninha sobre a qual estava uma bolsa minha e pegou um batom, e pintou as pálpebras. Maria não passou o batom nos lábios e nem em outra parte do corpo, ela apenas pintou as pálpebras de seus olhos, como ela é branquinha, os cabelos pretinhos, ela ficou parecendo uma boneca japonesa ou chinesa. Ela ficou em frente ao espelho se admirando e rindo.  Maria ama se pintar, adora cores.
Outra brincadeira bem divertida que sempre brincamos é de esconder, na verdade é de achar a Maria. Só ela se esconde. Ela fica atrás da cortina da sala e chama por mim, então eu pergunto, cadê a Maria? E ela sai de lá e diz: achou e cai na gargalhada.  Maria ama essa brincadeira e brinca disso em todos os lugares que vamos e têm cortina. Os lençóis também servem para ela se esconder, brincamos antes de dormir, aliás, fazemos inúmeras coisas antes de dormir, lemos, cantamos, brincamos de achar a Maria, ou simplesmente olhamos as estrelas no teto do quarto de Maria. Sim há estrelas no teto do quarto dela, de brincadeira, claro, mas o brinquedo que produz as cores das estrelas no teto é bem legal. Maria não faz parte daquele grupo de crianças quem têm o quarto cheio daqueles brinquedos que mais parecem robôs e custam mais que um salário mínimo, ela tem apenas o que precisa para brincar. Ela tem algumas bonecas, um caixa encaixa, tem outros brinquedinhos e livros.  Na verdade, a brincadeira que Maria mais gosta é sair correndo sobre a grama, ela corre muito na área verde do condomínio, corre até ficar muito cansada e pede para ir para casa, toma banho, janta e vai ler... Até adormecer. Dorme feliz, porque o importante é brincar.


domingo, 14 de fevereiro de 2016

sábado, 13 de fevereiro de 2016

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Artista não identificado.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

roteiro para depois da minha morte (ii/iv)



Zemaria Pinto

não permita que eu vegete
ou degenere no abismo
da insanidade:
apressa o fim
sem temer a dor
que não irei sentir

Resistência à mecanização do corpo



João Bosco Botelho

As idéias oitocentistas, provavelmente incentivadas pela fisiologia experimental presente nos trabalhos de Claude Bernard, aprumaram a ciência na tarefa de explicar como funcionava o corpo, quase sempre associando aos avanços da técnica. O pleno exagero do mecanismo coube às palavras do pensador La Mettrie, em 1748, que conduziu a mecanização do corpo ao limite máximo.
No início do século 19, essa compreensão se manteve. Ao contrário, com a industrialização impondo as linhas de montagem e a necessidade rápida de mão-de-obra, os corpos tornaram-se complementos das máquinas.
O mecanicismo trouxe um impressionante conjunto metafórico à linguagem: o coração passou a ser a bomba; o pulmão, o fole; o rim, o filtro, e, finalmente, o cérebro, o computador.
 Do mesmo modo, não é demais repetir que os reflexos sobre as mudanças na formação do médico não tardariam. Em 1910, o Relatório Flexner, nos Estados Unidos e na Europa, foi um instrumento para reorganizar as faculdades de Medicina. A metodologia acadêmica em torno dos valores da cura, mais do que nunca na História, valorizaria exclusivamente a Medicina ligada à técnica, aos laboratórios, desprezando os componentes sociais das doenças.
Essa linha metodológica chegou ao apogeu com Talcott Parsons, em 1951, sob a guarda das faculdades de Medicina, de modo semelhante às crenças e às idéias religiosas, ao sustentar que as enfermidades deveriam ser compreendidas como significantes de desvio social. A coesão social só poderia ser alcançada com o controle das doenças, mas sob a estreita supervisão do agente da Medicina – o médico. Essa foi a época do maior prestigio social do médico: agente absoluto da saúde, do bem, do belo!
É evidente que o estudo de Parsons só poderia ser aplicado em alguns segmentos sociais, nos países industrializados, com grandes recursos disponíveis para pagar os serviços de saúde.
Do mesmo modo como a concepção da saúde atada exclusivamente ao social, a aplicação dessa Medicina mecanicista é questionável, na maior parte da população mundial, onde as dificuldades da sobrevivência básica impedem o acesso aos hospitais. Essa imensa parcela populacional desassistida continua recorrendo aos curadores populares para resolver os problemas da saúde.
Desse modo, a prática médica nos países do Terceiro Mundo, desde os anos sessenta, impregnada pelas teorizações de Flexner e Parsons, empurrou os trabalhos acadêmicos para valorizar a doença como fruto da injustiça social, oferecendo a máquina, a tecnologia, como solução para prolongar e empurrar os limites da morte temida.
Mesmo com a maior questão dos saberes médicos não estando resolvida, especialmente o paradoxo fundamental – em qual dimensão da matéria viva a doença substitui o normal? –, os médicos seduzidos pelo tecnicismo exacerbado acreditam, perigosamente, na infalibilidade da Medicina e distanciam-se do doente. As ordens médicas vindas da doutrina flexneriana se portam de maneira impessoal e a demonstração de sentimentos, junto ao leito do enfermo, é interpretada como sinônimo de incompetência.
A busca da cura, ancestralmente presente à cabeceira do doente junto ao médico-amigo, não tem lugar nas propostas de Flexner e Parsons.
A resistência a esse modelo trouxe às universidades outras abordagens dos tratamentos, contrários à tendência mecanicista, com a convicção de nada substituir a relação médico-paciente humanizada.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

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Moony Khoa Le.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Um cromo para o ano novo


Pedro Lucas Lindoso


Quando chega o final do ano eu me preocupo logo em conseguir uma agenda para o ano novo. Não sei viver sem elas. Já tentei usar uma eletrônica, mas não supriu minhas necessidades.
Preciso de uma agenda para preencher as minhas responsabilidades diárias. Li em algum lugar que os gregos possuíam duas formas de referência para o tempo. Havia o “crónos”. Pelo “crónos” os gregos marcavam as suas atividades cotidianas. Eram cronometradas. Para isso eu preciso de uma agenda. Para marcar audiências, compromissos, aniversários de pessoas queridas e outras atividades.
Outra forma de marcar o tempo para os gregos era o “kairós”. O “kairós” era o tempo dedicado ao lazer. Minha agenda serve também para o “kairós”. Sábados, domingos, e feriados são preferencialmente dedicados ao “kairós”. Além das noites após as atividades laborativas semanais, em especial a sexta-feira após o expediente.
Mas vejo que há executivos workaholics que não têm contato com o “kairós”. Algumas instituições japonesas exigem que seus empregados façam um relatório de suas atividades de lazer. O descanso, o ócio saudável, é uma necessidade humana. Até Deus descansou após a criação.
Mas penso que devemos nos concentrar no aqui e agora. Por isso uso minha agenda. Bastam as preocupações do dia. Os compromissos futuros ficam lá agendados e evito que minha mente voe para o amanhã. Deixo agendadas coisas que poderei vir a ser, fazer ou conquistar. E me fixo no aqui e agora. Porque o hoje é a grande lição de plenitude.
Quem me chamou atenção para comprar a nova agenda foi tia Idalina. Ligou-me para saber se eu teria um cromo bem bonito para lhe enviar, como fiz ano passado. De fato, ganhei um lindo cromo e o enviei para titia. Ela adorou. Se você não sabe o que é um cromo veja a definição do velho Aurélio, a qual grifamos:

Figura estampada em cores, em geral com relevo, constituindo pequeno impresso recortado para colagem em álbuns, etc., ou imagem maior para pendurar em parede, inclusive como suporte de calendário”.

Na Manaus de minha infância, ninguém falava em calendários. Só em cromos. Lembro-me de meu pai pedir aos seus amigos comerciantes (hoje se diz empresários) que lhe dessem vários cromos de suas lojas. Os eleitores, em especial os do interior, adoram receber cromos nessa época. Inclusive tia Idalina.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Balões vermelhos



                                                                                              Tainá Vieira

Todo final de dia eu levo Maria na área de lazer do condomínio para ela brincar, correr, interagir com outras crianças. Lá tem um parquinho e ela adora escorregar. O condomínio é amplo, tem uma área grande para correr, fazer caminhada etc., temos uma visão linda do céu, do espaço ao nosso lado.  Sei que a visão é bem ampla por causa do desmatamento e isso faz com que seja muito quente no lugar onde moramos. Com o avanço da cidade, as áreas verdes são destruídas e no lugar das árvores há prédios. Umas duas semanas atrás as crianças pararam para olhar um arranjo de balões vermelhos que sobrevoava o céu do condomínio. Esse arranjo de balões vermelhos veio da rua, ou melhor, escapou de alguma criança. Vi a Maria hipnotizada com aquilo, ela ficou observando até o arranjo sumir de nossas vistas, e mesmo depois de ele ter sumido ela ainda ficava olhando e falando e apontando para o lugar onde ele estava.
 Já era a hora de ir para casa, chamei-a e ela não queria ir, chorou muito, coloquei-a no colo e fomos para casa. Ela ainda chorando, sentada no sofá, olhava o céu pela janela da sala, acho que procurava os balões, foi aí que me lembrei que tinha um saco de balão colorido em casa, peguei cinco balões vermelhos, enchi de ar e fiz um arranjo e dei a Maria, ela pegou e soltou, não deu muita confiança para o meu arranjo, peguei do chão e o amarrei na cortina da sala e lá ficou flutuando naquele pequeno espaço. Maria, do sofá fica olhando aqueles balões. Ela não mexe neles, não estourou nenhum ainda. O vento do ventilador toca neles e os faz bailar e Maria sempre de olho no arranjo de balões vermelhos.
Como disse, tenho em casa um saco de balão colorido, então dias depois peguei um balão azul e outro amarelo e os enchi para colocar junto aos vermelhos, para ficar um arranjo colorido e bonito, mas a Maria não deixou, ela pegou os dois balões da minha mão e ficou brincando com eles até que estouraram. Mas o arranjo de balões vermelhos continua lá amarrado na cortina. Confesso que já fiquei muito curiosa e impressionada com essa historia dela com esses balões. Ontem desamarrei o arranjo da cortina e ofereci a ela pra ver se ela brincava com ele, mas ela não quis, apenas riu, falou umas coisas e nada mais. Quando deixei o arranjo no chão ela pediu pra eu colocar na cortina... E quando descemos para brincar, ela olha para o céu. Estou pensando em levar o arranjo que fiz lá para área de brincar, para ela soltar no céu do condomínio, não sei como ela vai reagir. Já tem alguns dias que aquele arranjo de balões vermelhos está lá amarrado na cortina e ela sempre fica observando e eu fico imaginando o que será que se passa na cabecinha de um bebê de um ano e quatro meses. 


domingo, 7 de fevereiro de 2016

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Fantasy Art - Galeria


Andrius Kovelinas.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

roteiro para depois da minha morte (i/iv)


Zemaria Pinto

quando minhas cinzas
se fizerem ao vento
e um soluço amargo
te oprimir o peito
lembra-te do dia
em que este poema
te sangrou as mãos
com o mais obsceno
dos pedidos: perdão!

Mamãe eu quero...



Paulo Sérgio Medeiros

A festa da carne vai começar. Na minha avenida só um bloco a desfilar, o bloco da nostalgia, com seus adereços coloridos de salutar reminiscência. O baile infantil do Nacional Clube com irmãos, pais e colegas não era o meu favorito, mas tinha todo um charme por trás das máscaras das Colombinas que estavam sempre procurando seus Arlequins e eu ali, perenemente de Pierrô. Minha timidez não me permitia arremessar uma serpentina sequer.
Porém, os amores platônicos de carnaval me alimentavam até o carnaval do ano seguinte, quando tudo se repetia. Pierrô a fim da Colombina, Colombina a fim do Arlequim, Arlequim pegando a Colombina. Minha esperança era de um dia a canoa não virar. Bom, quase sempre virava e apareciam uns Zezés se insinuando diante da minha inocência que ficava a se perguntar: Será que ele é? Será que ele é?
Havia também o baile da Kamélia lá no Olímpico Clube, não estou aqui jogando confete não, mas esse sim era o melhor. Aquela negona testemunhou meu primeiro selinho carnavalesco. Já que não aparecia a Colombina, foi com a Margarida caga osso mesmo olê, olê, olá.
Gostava tanto da negona que num desses bailes cheguei a ver duas Kamélias. Tudo por conta de um folião mais animadinho que esfregou um lenço em meu nariz – que, diga-se de passagem, é um senhor nariz – até o tucupi de lança perfume. Estava no meio do trenzinho que costurava o salão. O trem descarrilou. Saí cantando: Ó abre alas que eu quero passar e se essa porra não virar, olê, olê, olá, eu chego lá. E cheguei. A viagem durou uns trinta segundos. Me perdi dos meus colegas e me encontrei nos braços da Maria Sapatão.
Inesquecível também era o carnaval de rua com o povo jogando maizena em quem passava e entrava na brincadeira. Esse negócio de maizena deixou muita nega do cabelo duro. Tudo isso muito diferente das festas de rua atualmente. As bandas trouxeram para as bandas de cá muita violência e incoerência com o carnaval. Cachaça não é água não, meus amigos. Então, Jardineiras, cuidem de suas Camélias para que elas não caiam do galho.
...Os carnavais de outrora.

Santuários dos milagres cristãos


João Bosco Botelho

O golpe mais forte recebido pela teorização cristã do sinal foi sustentado pelo agnosticismo kantiano, firmado contra o determinismo absoluto. Seria incognoscível porque é muito difícil distinguir as formas variáveis e extraordinárias de agir da natureza. De acordo com Kant, não existem leis fixas e constantes, porque a estável provém, exclusivamente, do nosso aspecto subjetivo para conhecê-las. A religião não seria mais nada que o conjunto das obrigações vistas como determinismo para facilitar a ordem de um poder transcendente. A resistência kantiana, refutando a natureza divina do dom, contribuiu para o milagre perder o valor ontológico e argumento apologético, conservando o exclusivo aspecto simbólico da fé.
Com o intuito de reforçar o conjunto do debate, cabe lembrar a imutabilidade das leis matemáticas, regendo a essência da coisa visível, expressando o modo de ser. Assim, em nenhuma hipótese, nem no milagre, o triângulo poderá deixar de ter os três ângulos internos. De modo semelhante, ao considerar-se a veracidade das leis que regem as relações físicas entre as coisas, hoje compreendidas nas quatro forças (gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte), as ações situadas fora delas estariam, obrigatoriamente, contidas em outra manifestação, desconhecida, da natureza invisível.
Assim, se o fogo não queimar, o homem morto voltar à vida ou o enfermo incurável recuperar a saúde numa fração de segundo, tais fatos podem estar somente evidenciando os aspectos não desvendados da matéria, em nível imperceptível aos sentidos.
No Ocidente cristão medieval, os santuários curadores e proféticos de Compostela e Jerusalém viveram vários séculos de glória, recebendo peregrinos de toda a cristandade. Nos últimos anos, os de Fátima e os de Lourdes são muito procurados. Mais recentemente surgiu o de Medjugorje, na Iugoslávia; o de Fátima notabilizou-se pelas curas de doentes. Como o número excedeu os limites do bom senso, foi criada, em 1882, uma comissão de médicos e religiosos, para analisar a veracidade dos fatos. A Igreja anunciou, em 1990, o 65º milagre. Trata-se de jovem siciliana, portadora de forma incurável de câncer ósseo no joelho. Em 1976, a moça permaneceu uma semana próxima ao santuário e, um ano depois, houve o completo desaparecimento do tumor.  
A crença nos poderes extraordinários, oriundos da aparição da Virgem, em Medjugorje, pequena cidade no interior da Iugoslávia, começou em 1981. Um grupo de adolescentes, quatro moças e dois rapazes, relataram ter visto uma mulher bonita que afirmava ser a Virgem Maria. O padre Slavko Barbarich, da igreja local, não tem dúvida da autenticidade das mensagens.
No Brasil, nos estratos sociais privilegiados, de tradição cristã, são mais enfocadas as procuras de Lourdes, Fátima e Medjugorje. Porém, existem outros locais de súplicas, como a basílica de Aparecida e a estátua do Padre Cícero, sem citar os altares de milhares de igrejas.
Nos últimos trinta anos, no Brasil, os ritos de algumas igrejas protestantes ao utilizarem os milagres embutidos nas práticas de curas de doenças obtiveram maior sedução em todos os segmentos sociais, deslocando milhares de fiéis das igrejas católicas.
De modo geral é possível teorizar que a crença no milagre excede a religião organizada. A fé que forma e guarda o milagre ajusta a sedução na eficiência simbólica envolvendo palavras, gestos e objetos, metamorfoseados na temporalidade dos processos de organização social.