quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Deuses, deusas e médicos na Grécia



João Bosco Botelho


“Os gregos que parecem ter sido os primeiros a fazer da Medicina a profissão mais ilustre e completa, escreveram na conformidade deste conceito que fora Apolo o inventor dela, o que não deixa de ter aparente razão. Eles entendiam Apolo como o Sol (com o seu calor benigno e temperado, vivificador das plantas e do homem) ou como o homem possuidor de um espírito divino e melhor que todos os demais do seu tempo. Apolo também foi o primeiro que ensinou e praticou o uso das ervas, como Ovídio deu a entender na sua obra Metamorfoses”. Esse trecho do livro Ouvres Completes, de Ambroise Paré (1510-1590), o mais famoso cirurgião-barbeiro de todos os tempos e um dos responsáveis pela incorporação da cirurgia como especialidade na Medicina, mostra como a mitologia grega influenciou a prática médica no Ocidente durante mais de vinte séculos.
As relações da Medicina com a compreensão mítica da realidade se perderam no tempo. É impossível separar as idéias míticas do entendimento do homem sobre a saúde e a doença.
Das primitivas relações do homem com o animal, posteriormente substituídas pelas relações com a terra, surgiu empiricamente o uso das plantas na busca da saúde. A utilização do vegetal, indispensável à sobrevivência do homem, se processou em complexa compreensão mítica, que foi marcada pelas explicações que se sucederam nos milênios da origem primeira e do destino final do ser humano. Elas evoluíram da epopéia de Gilgamesh, dos babilônios, à teoria do Big Bang, dos modernos astrofísicos, passando pela gênese judaico-cristã e pela Yebá beló da lenda desana da criação do Sol.
Apesar da melhor compreensão que temos hoje das metamorfoses do pensamento mítico, a dificuldade de interpretação aumenta na proporção que recuamos no tempo. Entretanto, parece ser a partir do século 6 a.C., na Grécia, que chegou o material historiográfico suficiente para traçar, com alguma segurança, um perfil da Medicina da mitologia.
É provável que o acervo cultural e médico dos povos mesopotâmicos e dos vales do Indo e do Nilo tenham influenciado a formação do universo médico-mítico grego. Os registros históricos que se ocupam da Medicina na mitologia grega são, provavelmente, o produto das complexas relações do homem que antecedeu a formação do pensamento grego. É possível estabelecer paralelismo entre muitos aspectos das relações médico-míticas das civilizações babilônica, egípcia e indiana com as da Grécia dos cinco primeiros séculos antes de Cristo.
De acordo com a mitologia grega, a Medicina começou com Apolo, filho da união de Zeus com Leto. Inicialmente, Apolo foi considerado como o deus protetor dos guerreiros, posteriormente, foi identificado como Aplous ou aquele que fala a verdade. Ele agia purificando a alma, por meio das lavagens e aspersões, e o corpo, com remédios curativos. Era considerado o deus que lavava e libertava o mal.
Um dos filhos de Apolo, Asclépio, recebeu educação do centauro Quirão para ser médico.  A escolha do centauro mítico para dirigir a educação de Asclépio se consolidou porque ele dominava o completo conhecimento da música, magia, adivinhações, astronomia e da Medicina. O centauro, além destas habilidades, tinha incomparável destreza, manejava com a mesma habilidade o bisturi e a lira.
O centauro Quirão, além de ter educado Asclépio na Medicina, também orientou Jasão na arte de vencer os mais incríveis obstáculos, e Dionísio, o deus da vegetação e do vinho, conhecedor dos mistérios da religião, do êxtase e da embriaguez.