João Bosco Botelho
Com o sedentarismo avançando,
no Neolítico, importantes modificações foram se processando nos grupos sociais
que habitavam as terras férteis da Mesopotâmia e do Egito. Aquelas sociedades
absorveriam parte da experiência acumulada dos saberes. Nessa fase, ocorreu o
início da modificação da economia produtora, passando do nível de subsistência
coletiva à concreta divisão do trabalho, com o aparecimento do excedente de
produção e das trocas comerciais, tornando as sociedades francamente
hierarquizadas. Também surgiram as propriedades privadas, que possibilitaram os
assentamentos duradouros e evoluiriam às primeiras aldeias.
As cidades se formaram nas transformações,
e, simultaneamente, se estruturaram social e politicamente, gerando o
aparecimento das civilizações regionais.
Entre elas, destacaram-se
aquelas que ocuparam as terras próximas dos rios piscosos e obtiveram
significativos avanços na guarda territorial e poder de guerra: a babilônia e a
egípcia. Esses povos, mesmo mantendo importantes diferenças, decididamente
influenciaram, direta e indiretamente, as culturas posteriores.
As civilizações regionais
assimilaram, ao longo de vários milênios, diferentes formas de governos,
predominando o teocrático de regadio e mercantil-escravista. Sob vigilâncias hierarquizadas,
moldaram a ação da prática médica.
As guerras contínuas ofereciam
saques, escravos e territórios, robustecendo a propriedade e a escravidão.
Durante os conflitos deve ter havido a participação dos médicos;
principalmente, no manuseio das feridas traumáticas e amputações cirúrgicas dos
membros dilacerados.
O corpo humano também foi
manuseado nos rituais religiosos para a conservação após a morte. Essa conduta
alcançou níveis de alta sofisticação entre os egípcios, sem que representasse
avanço no conhecimento da anatomia. Mesmo com a clara diferenciação entre os
que manuseavam o corpo com fim religioso e outros que tentavam entender e
nominar as doenças, em torno de 3.500 anos, já estava estabelecida a figura
social do médico como um dos especialistas nas relações sociais.
A atividade médica deveria ser
intensa, suficiente para gerar conflitos frequentes, determinando mal-estar
social e obrigando o legislador intervir. O rei Hammurabi (1728-1688 a.C.), da
Babilônia, dedicou vários parágrafos do seu famoso código para disciplinar a
Medicina, impondo prêmios e castigos. Nos parágrafos 218 a 223, está claro que
o médico era reconhecido e ocupava espaço importante nas relações sociais numa
sociedade claramente hierarquizada:
218 – Se um médico fez em um awilum (homem livre em posse de
todos os direitos de cidadão) uma incisão difícil com uma faca de bronze e o
causou a morte do awilum ou abriu o nakkaptum (arco acima da sobrancelha) de um
awilum com uma faca de bronze e destruiu o olho do awilum: eles cortarão a sua
mão;
219 – Se um médico fez uma incisão difícil com uma faca de bronze
no escravo de muskenum (intermediário entre o awilum e o escravo) e causou a
sua morte: ele deverá restituir um escravo como o escravo morto;
220 – Se ele abriu a nakkaptum de um escravo com uma faca de
bronze e destruiu o seu olho: ele pagará a metade do seu preço;
221 – Se um médico restabeleceu o osso quebrado de um awilum ou
curou um músculo doente: o paciente dará ao médico 5 ciclos (40 gramas) de
prata;
222 – Se foi filho de um muskenum: dará 3 ciclos (24 gramas) de
prata;
223 – Se foi um escravo de um awilum: o dono de escravo dará 2
ciclos (16 gramas) de prata.
O Código de Hammurabi iniciou
o processo laico impondo sanções que devem receber os médicos pela imprudência,
imperícia e negligência e os honorários diferenciados, de acordo com o
estamento social do doente.