Amigos do Fingidor

terça-feira, 16 de maio de 2017

Como sernambi



Pedro Lucas Lindoso

A vida nos seringais do Amazonas não é fácil. Nunca foi. Meu avô Zacarias foi dono de seringal. Ele e seu irmão, tio Carlos, vieram do Maranhão e se instalaram no rio Madeira, em Manicoré.
A lida do seringueiro é completamente diferente de qualquer outro “homem do campo”, como se diz no sudeste. Aqui, não há campos, há floresta! Por volta das onze da noite, o seringueiro acorda. Antes de se embrenhar na mata, toma um café com beiju. Então vai cortar seringa.  Para se extrair o látex são feitas incisões na casca das árvores. O corte é inclinado para permitir o escoamento da seiva. O leite da seringueira é colhido em pequenas canecas afixadas na extremidade inferior do corte. Esse trabalho termina geralmente por volta das três horas da madrugada. Lá pelas seis da manhã, o seringueiro volta para colher o látex.
Depois de recolher o produto das canecas, começa o trabalho de defumar.  Na época de meu avô o seringueiro trocava sua produção por gêneros alimentícios. Era o sistema de aviamento. Meu avô era generoso. O mesmo não se pode falar do tio Carlos. Ele sempre dizia que as bolas de seringa do caboclo não valiam o bastante. Não pagava o aviamento como deveria. Tio Carlos era mau. Mantinha os seringueiros atrelados a uma dívida impagável. A uma eterna servidão.
Tio Carlos, dizem, ainda abusava das caboclas. Foi assassinado numa revolta. Mutilaram seu corpo e rogaram praga a sua descendência.
O labor do seringueiro é muito duro. É um trabalho noturno e dentro da selva, com seus imensos perigos e desafios. O seringueiro só descansa depois de almoçar. E vai dormir nas tardes quentes e chuvosas em seu tapiri, como é chamada a cabana dos caboclos amazônicos. Depois irá acordar no meio da noite e cortar, novamente, seringueiras na mata, até de madrugada. E recolher novamente o látex e defumá-lo. Dia após dia.

Existem basicamente três tipos de borracha: a fina, a entrefina e a sernambi. Essa é nada mais nada menos do que o resíduo de látex que cai no solo e se mistura na terra. É resto. Borracha de segunda categoria, refugo, rebotalho. Ainda há muitos seringueiros perdidos na Amazônia. Estão esquecidos pelo poder público. Desprezados ou tratados como SERNAMBI.