Pedro Lucas Lindoso
A vida nos seringais do
Amazonas não é fácil. Nunca foi. Meu avô Zacarias foi dono de seringal. Ele e
seu irmão, tio Carlos, vieram do Maranhão e se instalaram no rio Madeira, em
Manicoré.
A lida do seringueiro é completamente diferente de qualquer
outro “homem do campo”, como se diz no sudeste. Aqui, não há campos, há
floresta! Por volta das onze da noite, o seringueiro acorda. Antes de se
embrenhar na mata, toma um café com beiju. Então vai cortar seringa. Para se extrair o látex são feitas incisões na
casca das árvores. O corte é inclinado para permitir o escoamento da seiva. O leite
da seringueira é colhido em pequenas canecas afixadas na extremidade inferior
do corte. Esse trabalho termina geralmente por volta das três horas da
madrugada. Lá pelas seis da manhã, o seringueiro volta para colher o látex.
Depois de recolher o produto das canecas, começa o
trabalho de defumar. Na época de meu avô
o seringueiro trocava sua produção por gêneros alimentícios. Era o sistema de
aviamento. Meu avô era generoso. O mesmo não se pode falar do tio Carlos. Ele
sempre dizia que as bolas de seringa do caboclo não valiam o bastante. Não
pagava o aviamento como deveria. Tio Carlos era mau. Mantinha os seringueiros
atrelados a uma dívida impagável. A uma eterna servidão.
Tio Carlos, dizem, ainda abusava das caboclas. Foi
assassinado numa revolta. Mutilaram seu corpo e rogaram praga a sua
descendência.
O labor do seringueiro é muito duro. É um trabalho
noturno e dentro da selva, com seus imensos perigos e desafios. O seringueiro
só descansa depois de almoçar. E vai dormir nas tardes quentes e chuvosas em
seu tapiri, como é chamada a cabana dos caboclos amazônicos. Depois irá acordar
no meio da noite e cortar, novamente, seringueiras na mata, até de madrugada. E
recolher novamente o látex e defumá-lo. Dia após dia.
Existem basicamente três tipos de borracha: a fina, a entrefina
e a sernambi. Essa é nada mais nada menos do que o resíduo de látex que cai no
solo e se mistura na terra. É resto. Borracha de segunda categoria, refugo,
rebotalho. Ainda há muitos seringueiros perdidos na Amazônia. Estão esquecidos
pelo poder público. Desprezados ou tratados como SERNAMBI.