Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Linguagens, prêmios e castigos


João Bosco Botelho
     
Apesar dos avanços na genética e nas imagens do corpo, continuam os entraves ao acesso do cérebro humano. Contudo, os casos clínicos acidentais são capazes de levar aos grandes progressos. Um desses, na Universidade Western, Ontário, refez conceitos em torno da consciência não manifesta (ou aparente descompasso entre o comportamento manifesto e a memória) com uma doente com dano cerebral por intoxicação de monóxido de carbono. Quando ela se recuperou, era incapaz de identificar a xícara de chá, todavia os movimentos para segurá-la e leva-la à boca eram normais.
Esse tipo de comportamento alterado reforça a existência de, pelo menos, duas formas diversas do reconhecimento visual: uma dependente da percepção e a outra das funções motoras.
O outro relato significativo, identificado pelo suíço Édouard Claparède (1873-1940), um dos mais influentes da escola da psicologia funcionalista, descreveu a paciente portadora de distúrbio para assimilar fatos recentes. Na consulta inicial, ao cumprimentar o entrevistador, ela teve a mão levemente furada de modo intencional por um alfinete. No dia seguinte, não reconheceu ninguém, porém se recusou a repetir o gesto que provocou dor.
Esse fato sugere natureza física ao conhecimento historicamente acumulado em torno do controle social: oferecer o prazer pela obediência e a dor como castigo à indisciplina. Como chamamento, as linguagens laicas e religiosas oferecem: promessa de prolongar a vida, trabalho ameno, comida farta, maior liberdade sexual, espaço sagrado (templo) ou profano (partido político, tribunal) para defender a causa comum e julgar os resistentes, aumento da proteção individual e coletiva e melhoria das situações temidas, causadoras de desconforto: a fome e o frio. 
Algo muito poderoso se passou na intimidade da memória acumulada na espécie humana: o êxtase do quanto fascinam os homens e as mulheres alegorias simbólicas que ligam a recompensa do prazer aos que obedecem e da dor aos desobedientes!