Amigos do Fingidor

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O mau-olhado


João Bosco Botelho


Não há dúvida da universalidade da crença do mau-olhado. O inesquecível Luís da Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, sustenta a antiguidade e a presença do mau-olhado nos cinco continentes. É também reconhecido em algumas regiões brasileiras como olho de seca pimenteira.
O grande mestre da mitologia grega, Junito Brandão, assinalou a origem pré-olímpica do mau olhado, explicando as mudanças na transição greco-romana para absorver a concepção helenística predominante nos países cristãos. Na mitologia grega, a imortal Medusa, com a cabeça coberta de serpentes, possuía olhos com excepcional brilho e com olhar maligno que transformava em pedra quem ousasse fixá-los.
Carlo Ginzburg interpretou do modo magistral os cultos agrários, no século 17, em uma sociedade camponesa italiana. A crença no mau-olhado era comum naquela comunidade e o tratamento só obtinha sucesso se realizado por alguém com poderes especiais: o benandanti ou andarilho do bem. Em um dos processos do Santo Oficio para punir o benandanti, no depoimento de um dos acusados, está claro o entendimento do mau-olhado: O que significa, pergunta o inquisidor, ter mau-olhado? E a jovem explica: nós dizemos que têm mau-olhado as mulheres que secam o leite das mulheres que amamentam e são também bruxas que comem as crianças.
As compreensões do mau-olhado são semelhantes e recebem nomes de significâncias próximas: olho de seca pimenteira, malocchio, evil eye, bose blick, mal de ojo, olho grande e olho gordo.
Os relatos mantêm semelhanças: a pessoa atingida pelo mau olhado sente, imediatamente ou após algumas horas, apatia generalizada, dores no corpo e na cabeça, alterações na digestão, inapetência, irritação e desânimo. Quando o alvo é criança, as consequências são mais intensas, podendo incluir: sonolência profunda, olhos encovados e moleiras afundadas.
O mau-olhado é reconhecido como uma das doenças que devem ser tratadas pelos curadores populares. Em algumas regiões brasileiras, o ritual de cura continua sendo realizado com a ajuda de um ramo de arruda ou erva-doce tirado do galho, semelhante ao registro de Luiz Edmundo, no Rio de Janeiro, no século 18: “Todo mal que nesse corpo entrou; ar de névoa, ar de cinza; ar de galinha choca, ar de cisco; ar de vivo em pecado; ar de morto excomungado; ar de todo o mau-olhado; seja desse corpo apartado; Deus te desacanhe de quem te acanhou; Deus te desinveje de quem te invejou”.
Alguns médicos observam no cotidiano, que certos doentes portadores de determinados cânceres, evoluindo favoravelmente ao tratamento, ao tomarem conhecimento de estar com essa doença, as complicações aparecem rápido; inexplicavelmente, ocorre a piora irreversível e acabam morrendo mais rápido.
O conhecimento historicamente acumulado insiste na veracidade do mau-olhado, sugerindo que as emoções, ainda pouco compreendidas pela medicina, interferem no rumo de certas doenças e na saúde das pessoas.