Tenório Telles
Machado
e “a crítica pensadora”
No dia 8 de outubro de
1865, Machado de Assis publicou, no Diário do Rio de Janeiro, uma crônica
intitulada “O ideal do crítico”. O texto, considerando seu caráter argumentativo
reflexivo, aproxima-se do ensaio, embora conserve o tom de diálogo peculiar
característico do cronista. Machado antecipa muitas questões que serão objetos de
debate no século seguinte. Ao versar sobre a crítica, intima os estudiosos a exercitarem
a
crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata(...) a crítica
pensadora, sincera, perseverante, elevada(...) condenai o ódio, a camaradagem e
a indiferença – essas três chagas da crítica de hoje –, ponde em lugar deles, a
sinceridade, a solicitude e a justiça – só assim teremos uma grande literatura (ASSIS,
1979, p. 798)
A tradição e o domínio
dos procedimentos criativos não são suficientes para gerar a obra literária –
ou as obras de arte em geral. Um elemento particular é imperativo na faina
criativa – o talento: entendido como atributo de uma sensibilidade artística
singular (como diz Eliot (1989, p. 39): “o fragmento de platina”, prefigurado
na mente do poeta): “quanto mais perfeito for o artista, mais inteiramente
estará nele o homem que sofre e a mente que cria; e com maior perfeição saberá
a mente transfigurar as paixões que lhe servem de matéria-prima”.
Talento, conhecimento e
emoções mesclam-se no processo de gestação da obra de arte. Essa não é uma
experiência destituída de tensão e de um forte componente demiúrgico. O texto
escrito (poesia ou prosa) é gerado nas entranhas de seu criador: nutre-se de
seu sangue, de seus sonhos e razão, de suas emoções e angústias mais profundas.
Por isso, o ato criativo é uma experiência de morte e de vida, em que o artista
sacrifica tempo e muito de si mesmo para que a criação nasça e seja compartilhada
socialmente. A escritura é um raio que brota dos abismos do ser, pois, como
afirma Rainer Maria Rilke (2011, p. 134): “A cada obra de arte vem ao mundo algo
novo, uma coisa a mais”. Esse novo a que se refere é também continuidade da linhagem
a que se vincula todo agente da criação – enriquecendo, com seus esforços e realizações
criativas, o patrimônio artístico da humanidade.
A inquietude e o desejo
de dizer de si e do mundo, que movem o artista, são forças geradoras da
criação. Desassossego e falta expressam a humana condição num tempo e mundo
estiolados, esvaziados de seus fundamentos: época precária, opaca e inominável
– fênix destituída de sua mágica recriadora. Encantados pela esfinge do paraíso
consumista, os seres humanos perdem-se entre as sombras e a paralisia de uma vida
inautêntica. A arte é o antídoto para esse viver letárgico e arruinado.
Resta-nos a Palavra como possibilidade de testemunho desse estar-no-mundo
indiferente, mas também como libertação – ou como disse Fernando Pessoa (apud
PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 105): “uma confissão de que a vida não basta”. Não
basta se não for vivida com encanto, com consciência e como ato libertário. A
beleza é o sangue capaz de reavivar a existência e restabelecer os fundamentos
primordiais da civilização.