João Bosco Botelho
Uma das primeiras estruturas laicas a reconhecer e legislar a
prática médica atribuindo claramente deveres e direitos aos médicos e
julgadores, além de estabelecer o valor do pagamento pelos serviços e
penalidades pela má prática médica, foi o rei Hammurabi (1728-1686 a.C), da
Babilônia, autor do código de Hammurabi.
Foram os membros da expedição arqueológica francesa de
Morgan, nas escavações da acrópole da capital elamita de Susa, que encontraram
o diorito negro contendo o código – hoje no Museu de Louvre, em Paris.
O Código de Hammurabi permite entender certos critérios,
sempre em torno dos bons resultados, das leis que regiam a ação médica na
Babilônia, governada pelo rei Hammurabi. Se pensarmos que as leis também
exercem função de evitar conflitos, os artigos penalizando ou premiando o
médico, por estarem na mesma coluna daquela regulamentando as profissões dos
barbeiros, pedreiros e barqueiros, é possível pressupor um elo comum: se
tratavam de categorias envolvidas em conflitos inquietantes à administração.
Dessa forma, somente a ação do julgador, ligado ao poder dominador, estaria
suficientemente organizado para julgar os conflitos geradores de conflitos
sociais.
Torna-se necessário para a compreensão da importância das
práticas médicas e julgadoras naquela região conhecer a divisão dos diferentes
extratos sociais. O primeiro e mais importante grupo que compunha a sociedade
babilônica, rigidamente hierarquizada, os awilum, homens e mulheres livres,
funcionários da administração pública e pagos pelo rei, julgadores, escribas,
sacerdotes, comerciantes, camponeses e grande parte dos soldados. O segundo
grupo compreendia os muskenum. Apesar de os registros históricos serem escassos
e não se saber exatamente o papel social desempenhado por eles, é possível
pressupor que exercessem papeis intermediários entre os awilum e os escravos.
A regulamentação da ação médica contida no código de Hamurabi
cita a inequívoca relação da ética do médico ligada aos bons resultados, onde o
julgador é o árbitro absoluto.
– 215: Se um médico fez
em um awilum uma incisão difícil com uma faca de bronze e curou o awilum ou se
abriu a nakkaptum (supercílio) de um awilum com uma faca de bronze e curou o
olho do awilum: ele tomará dez siclos de prata.
– 218: Se um médico fez
em um awilum uma incisão difícil com uma faca de bronze e causou a morte do
awilum ou abriu a nakkaptum de um awilum com uma faca de bronze e destruiu o
olho do awilum: eles cortarão a sua mão.
– 219: Se um médico fez
uma incisão difícil com uma faca de bronze no escravo de um muskenum e causou a
sua morte: ele deverá retribuir um escravo como o escravo morto.